Em 27/03, o Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) declarou[1] a nulidade de dispositivos do Ato Conjunto TST/CSJT/CGJT nº 1, de 2019 e autorizou a substituição de depósitos recursais em dinheiro por seguro garantia.
A decisão admite que o § 10, do artigo 899, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não confere qualquer limitação temporal ou restrição a depósitos realizados antes ou depois da Reforma Trabalhista: “o depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial”.
Na prática, empresas poderão contratar um Seguro e requerer o levantamento do valor depositado em dinheiro para fazer frente às suas obrigações mais imediatas de pagamento, como salários. O alcance, porém, está limitado aos depósitos recursais em processos trabalhistas. Ainda assim, o efeito não é pequeno, pois estima-se que a medida tenha potencial para injetar R$ 65 bilhões na economia.[2]
A decisão do CNJ está em linha com sua recente Resolução nº 313, de 19 de março de 2020, a qual fixou o Plantão Extraordinário no âmbito do Poder Judiciário Nacional com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus – Covid-19. Nela, pedidos de levantamento de importância em dinheiro e substituição de garantias (art. 4º, inciso VI) são tratados como prioritários.
Convém incluir, portanto, processos judiciais de outra natureza nesse mesmo debate.
A Lei de Execuções Fiscais (LEF) reconhece o Seguro Garantia Judicial como modalidade de garantia dos débitos tributários e o equipara, à semelhança do Código de Processo Civil (CPC)[3], ao dinheiro: “a garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora” (§ 3º, art. 9º). Isso se dá porque o Seguro proporciona similar nível de segurança jurídica à satisfação integral do Credor, a quem interessa e em favor de quem se promove a execução.
A despeito de a legislação ser clara sobre a equiparação do seguro ao dinheiro, a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reconhecendo o direito à substituição do dinheiro pelo seguro somente quando configurada hipótese de dano grave ao devedor[4], o que talvez não seja a melhor interpretação da ponderação entre o princípio da menor onerosidade ao devedor e o interesse do Credor.
Talvez a resistência esteja no próprio desconhecimento dessa modalidade de seguro.
As preocupações mais habituais gravitam em torno do valor, do prazo e do procedimento para execução do seguro. Uma cláusula na apólice assegura a atualização da importância segurada até a data do efetivo pagamento, outra torna mandatória sua renovação, sob pena de pagamento antecipado da importância segurada em dinheiro. O acionamento da cobertura é feito por simples notificação do Juízo à Seguradora, a partir de quando começa a correr o prazo de 15 dias para pagamento. A estrutura pulverizada de Seguro e Resseguro diluem o risco de crédito dos garantidores, e a solvência das entidades supervisionadas é acompanhada e fiscalizada pela Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
Não à toa a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional foi pioneira ao aceitar essa modalidade de garantia mesmo antes da alteração legislativa que a consolidou[5]. O barateamento do custo de garantia é medida que beneficia não só os contribuintes, mas também o Fisco e a economia como um todo.
E a pergunta que se faz, em tempos de pandemia e drástica redução da atividade econômica, é: no que consiste o dano grave ao devedor, capaz de autorizá-lo a requerer o pedido de substituição do dinheiro por seguro?
A Lei não exige a demonstração de dano, muito menos grave, para referida substituição. Obviamente que a análise casuística não está dispensada, no entanto, o simples fato de se pagar menos, e muito menos, por uma modalidade de garantia equiparada ao dinheiro, igualmente segura ao Credor, deveria ser fato suficiente a ensejar a substituição. O fôlego dado ao Devedor pelo levantamento de um depósito em dinheiro pode fazer a diferença na gestão de suas responsabilidades, pagamento de funcionários e cumprimento das suas obrigações com fornecedores e clientes. Essa afirmação, em tempos de Covid-19, não é mais teórica, é prática e reclama uma atenção imediata do Judiciário para o assunto. Não à toa o tema entrou na pauta do CNJ.
O § 1º, do Art. 835, do CPC, é claro ao dispor que embora seja prioritária a penhora em dinheiro, pode o juiz alterar a ordem na lei de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Mas, se a própria lei equipara o Seguro ao dinheiro, não estaria também ele no topo da ordem de preferência?
Em tempos de COVID-19, a aplicação do artigo 805, do CPC (“Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”) é ainda mais urgente e não pode se dar de forma tão restritiva.
Está nas mãos do Judiciário analisar os pedidos de substituição de dinheiro por Seguro Garantia, não apenas nos processos trabalhistas, mas também e especialmente nas execuções fiscais, e então colaborar com um alívio no caixa das empresas, para que estas repassem-no a seus funcionários, fornecedores e à sociedade.
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Processo CNJ nº 0009820-09.2019.2.00.0000 ↑
Seguradoras que atuam com essa modalidade analisam o perfil de crédito da Empresa antes de emitir a apólice, logo, presume-se que parcela das empresas com depósitos em dinheiro não usufruirão desse benefício. ↑
CPC, Art. 835, § 2º: Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento. ↑
AgInt no AREsp 1281694/SC, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/09/2019, DJe 25/09/2019. ↑
Portaria PGFN 1.153/2009, revogada pela Portaria PGFN 164/2014, vigente. ↑
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